terça-feira, 5 de junho de 2012

Análise do Documentário Cidadão Boilesen

Ficha Técnica

Título original: Cidadão Boilesen
Gênero:
Documentário
Duração:
92min.
Lançamento (Brasil):
2009
Distribuição:
Imovision
Direção:
Chaim Litewski
Roteiro:
Chaim Litewski
Produção:
Chaim Litewski, Pedro Asbeg, Jose Carlos Asbeg, Jorge Jose de Melo, Ojvind Kyro
Produtor executivo:
Chaim Litewski, Pedro Asbeg, Jose Carlos Asbeg
Co-produção:
Palmares Produções E Jornalismo
Música:
Lucas Marcier, Rodrigo Marçal
Som:
Damião Lopes
Fotografia:
Cleisson Vidal, José Carlos Asbeg, Ricardo Lobo
Câmera:
Cleisson Vidal, José Carlos Asbeg, Ricardo Lobo
Edição:
Pedro Asbeg



DOCUMENTÁRIO “CIDADÃO BOILESEN”: A “DITADURA CIVIL-MILITAR” E A PARTICIPAÇÃO DO EMPRESARIADO LATINO-AMERICANO NOS GOLPES MILITARES E NA REPRESSÃO
(Autor: Hugo Rincon Azevedo)

O documentário “Cidadão Boilesen” do diretor Chaim Litewski, é um filme que trabalha o papel do empresariado brasileiro no Golpe de 1964 e no financiamento da repressão e combate ao subversivo, o inimigo interno, com a formação e manutenção de grupos repressores como a OBAN (Operação Bandeirante). Apesar de mostrar/citar brevemente alguns outros capitalistas financiadores da repressão (houve mais menções a grupos e empresas, do que pessoas), o documentário personifica esse empresariado representado-o na figura de um homem, o empresário dinamarquês naturalizado brasileiro Henning Boilesen, que na década de 1960 é o diretor-presidente da companhia de gás de cozinha Ultragaz.
A estrutura do documentário contém elementos variados, como a utilização de trechos de filmes nacionais sobre o período da ditadura, vídeos, fotos, matérias e propagandas (tanto de empresas como governamentais), entrevistas e depoimentos. As entrevistas e depoimentos contém a participação de membros dos dois lados dos conflitos do período ditatorial, os repressores e reprimidos. Há participação de militares, inclusive um que foi membro da OBAN, amigos e familiares de Henning Boilesen, historiadores, ex-militantes (que foram torturados, perseguidos, exilados ou não), jornalistas, políticos, empresários, etc.
Um ponto interessante do documentário é o uso do controverso, principalmente nos depoimentos pró Boilesen e Regime Militar. No início do filme contém trechos de um outro documentário exaltando as qualidades do grande empresário dinamarquês brasileiro Henning Boilesen, e é mencionado que ele em idade escolar era sempre o “primeiro da classe”, em seguida são mostrados documentos se sua antiga escola na Dinamarca que demonstrava o contrário, que suas notas estavam sempre abaixo da média. Outro exemplo quando um militar aposentado em depoimento, diz que não existiu o financiamento e participação dos Estados Unidos com os grupos de Repressão no Brasil, e em seguida o documentário mostra um documento que comprova a participação estadunidense. Em uma outra cena, a utilização de uma música que vangloriava o Regime Militar e forçava um sentimento de patriotismo, como trilha sonora de imagens dos militares reprimindo violentamente manifestações. Há também o trecho de uma propaganda governamental do período em que o narrador fala: “o Brasil pode estar certo de que as forças armadas estão capacitadas a assegurar sua proteção contra os inimigos e salvaguardar a Democracia, a Liberdade e a Justiça!”. Democracia? Liberdade? Justiça? São palavras que provavelmente nem existiram no dicionário de português das forças armadas, e se existiram, foi com significado conturbado. Mas vale ressaltar que esses conceitos de democracia, liberdade e justiça só funcionavam para aqueles que consentiam e apoiavam o regime, e claro, principalmente para aqueles que o financiaram. Nesses aspectos o documentário explora muito bem o controverso para refletir e problematizar essas questões.
Uma questão levantada pelo filme e que tem sido debatida por historiadores nas últimas décadas é o papel das elites conservadoras (grandes grupos capitalistas, empresários, latifundiários) na influência nos Golpes Militares na América Latina, no controle, financiamento e manutenção dessas ditaduras, chamadas pelo termo “Ditadura Civil-Militar”. No documentário há uma menção que os empresários brasileiros temiam que o João Goulart instalasse no Brasil uma “república sindicalista”, que esse teria sido um dos motivos desses grupos dominantes apoiarem os militares. Vale ressaltar também o medo dos grandes latifundiários latino-americanos da Reforma Agrária. Nesses países onde a desigualidade social imperava, com movimentos operários e de trabalhadores rurais em crescimento, a “ameaça comunista”, a “desordem”, assombravam as elites locais. Nesse contexto entram as forças armadas com o aparato profissional de controle e repressão, mas com a necessidade de um financiamento, que tornou-se o papel da elite. Reforçando essa idéia, para Enrique Padrós, “as exigências de mudanças profundas, estruturais, promovidas por fortes movimentos populares, levaram os setores dominantes e seus sócios estrangeiros a desenvolver uma percepção de insegurança para sua privilegiada situação política e econômica.”1
Outro fator era a crise dos estados-populistas (muitos líderes eram simpatizantes do Socialismo ou apoiavam movimentos sindicais, como Cárdenas no México, Perón na Argentina, etc.), no Brasil, como mostra o documentário, a política adotada por João Goulart não agradava as elites e causavam temor nos militares, que viam nele uma possibilidade de subversão do país e como diz um empresário e político (pró regime militar) em depoimento no filme, o receio da “cubanização” do território brasileiro.
Os setores economicamente dominantes viram, nessa intervenção e na própria DSN, a viabilização da 'tranqüilidade social' tão necessária para seus interesses.”2 A Doutrina de Segurança Nacional criada e implantada pelos EUA, influenciou os golpes militares. A profissionalização dos militares, as escolas militares, como a Escola Superior de Guerra, ambientes onde a Doutrina de Segurança Nacional e o anticomunismo foram amplamente difundidos. Na América Latina, essa doutrina ganhou características particulares, como as idéias de: segurança nacional vinculada ao desenvolvimento nacional, a subversão associada ao subdesenvolvimento. É na segunda que a doutrina norte-americana ganhou mais força, onde o medo da subversão está no inimigo interno, aquele que represente um perigo à nação, geralmente adeptos ao ideal comunista.
No combate a subversão é interessante ressaltar a influência militar francesa no treinamento dos militares brasileiros para guerras anti-revolucionárias, na idéia de combate ao inimigo interno. Dentro desse treinamento para guerras anti-revolucionárias, surgiram as idéias de formação de grupos “antiterroristas”, de combate ao subversivos e etc., como a OBAN, o principal desses grupos, que é mencionado no documentário como o grupo financiado por Boilesen e outros empresários. Esses grupos de repressão, mesmo que muitos digam ser “clandestinos”, eram compostos por militares, financiados por civis, e que praticavam o Terror de Estado. Essa prática repressiva aplicada na América Latina durante o período das ditaduras, “através das orientações da DSN e na forma de guera contra-insurgente, é um terrorismo de grande escala, dirigido a partir do centro do poder estatal, dentro ou fora das suas fronteiras.”3 O TDE era recorrente de diversas práticas, desde a criação de uma “pedagogia do medo” até a execução e desaparecimento do inimigo. Consistia de prisões aleatórias, interrogações, torturas, execuções, desaparecimentos, entre outras formas dessa repressão. Esse movimento repressivo não combatia exclusivamente membros de movimentos armados contra a ditadura, mas qualquer pessoa considerada subversiva.
Esse Terror de Estado e principalmente sua “política de desaparecimento” criou na América Latina um movimento popular pelos Direitos Humanos, fazendo emergir o tema na região. Parentes das vitimas (torturadas, mortas, desaparecidas ou exiladas) com o apoio da Igreja Católica exerceram um papel importante na luta contra a ditadura, pois iniciou-se uma discussão sobre o tema. O que acontecia nos “porões da ditadura” começou a “chegar aos ouvidos da população”. Sendo possivelmente um dos fatores que levou o povo aos movimentos pela democratização.
Uma questão muito interessante levantada pelo documentário é a utilização de veículos de empresas privadas por membros da OBAN durante suas ações de repressão. Além dos veículos do grupo Ultra (no qual, Boilesen era um dos mandatários), a utilização de veículos do grupo Folha, mesmo grupo a que pertence o jornal Folha de São Paulo, impresso no qual alguns anos atrás referiu-se ao período do regime militar brasileiro como “Dita-mole” e “Dita-branda”. Isso nos leva a refletir como muitos grupos e empresas foram beneficiados pela ditadura, assim como grande parte da mídia, que apoiou e ajudou a divulgar e construir uma boa imagem do regime, com as propagandas para alienar e convencer a população a aceitar e até “endeusar” as forças armadas.
O Documentário Cidadão Boilesen leva a uma reflexão sobre um passado que o Brasil parece “querer esquecer”. Atualmente, quase 30 anos após o fim do regime militar, inicia-se a Comissão da Verdade, que tem como objetivo esclarecer os crimes contra os direitos humanos praticados na Ditadura Militar. Infelizmente aos civis patrocinadores desses crimes e os militares que cometeram, nada irá acontecer. As empresas e grupos, muitos ainda existem e beneficiaram-se bastante do regime. Enquanto deveriam no mínimo pagar por seus crimes, essas pessoas: os civis que estão vivos, vivem bem com os lucros da ditadura, os militares recebem generosas pensões do governo, aos que morreram, suas famílias beneficiam-se dessas regalias.
O filme reforça a discussão historiográfica sobre o papel dos civis (elites) durante as Ditaduras Militares na América Latina, com ênfase no Brasil e no empresário Henning Boilesen, que foi apenas mais um, dos vários civis que influenciaram, financiaram e beneficiaram-se dos regimes militares latino-americanos e suas práticas repressivas através do Terror de Estado.



BIBLIOGRAFIA

D'ARAÚJO, Maria Celina. “Densidade democrática e instabilidade na redemocratização latino-americana”. In: Ditadura e Democracia na América Latina: balanço histórico e perspectivas / Organizadores Carlos Fico... [et. al.]. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.

PADRÓS, Enrique Serra. “Repressão e violência: segurança nacional e terror de Estado nas ditaduras latino-americanas”. In: Ditadura e Democracia na América Latina: balanço histórico e perspectivas / Organizadores Carlos Fico... [et. al.]. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.

QUADRAT, Samantha Viz. “ A emergência do tema dos direitos humanos na América Latina”. In: Ditadura e Democracia na América Latina: balanço histórico e perspectivas / Organizadores Carlos Fico... [et. al.]. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008.
______________________. “Ditadura, violência política e direitos humanos na Argentina, no Brasil e no Chile”. In: História das Américas: Novas perspectivas / Organizadores Cecília Azevedo, Ronald Raminelli. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2011.


REFERÊNCIAS

CIDADÃO Boilesen. Documentário. Direção: Chaim Litewski. Destribuição: Imovision, 2009. 92 minutos.
1Ver artigo “Repressão e violência: segurança nacional e terror de Estado nas ditaduras latino-americanas. PADRÓS, Enrique Serra (2008).
2Idem.
3Idem.